Música, setembro amarelo e saúde mental: Marina Santos

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Segundo a OMS, 2020 é o ano em que a depressão será considerada a doença mais incapacitante do mundo. Considerando o contexto de isolamento social que estamos vivendo, em que os diagnósticos de ansiedade e depressão dispararam, podemos estar bem perto disso.

Todos os anos, já no primeiro dia do mês de setembro, as redes sociais ganham uma nova cor: a amarela. Assim como outras campanhas (como Outubro Rosa e Novembro Azul), o Setembro Amarelo visa conscientizar a população sobre os riscos da depressão e tornar o assunto mais acessível. 

Como ir além das hashtags? Como propor soluções, não só diálogos? Para responder a essa e outras perguntas, entrevistamos Marina Santos, Psicoterapeuta especialista em Psicologia Clínica Existencial Fenomenológica. Ela incorpora no seu atendimento técnicas terapêuticas que utiliza as linguagens não verbais como o desenho, a escrita, a dança e a música.

Como a música pode auxiliar no tratamento de pessoas com depressão, transtorno de ansiedade e outros? 

A música diz muito sobre nós. O que ouvimos faz parte da nossa identidade. Enquanto arte, ela roda o mundo. Está em todos os lugares, desde os primórdios. Dos ritmos mais arcaicos, dos primeiros sons emitidos e escutados, a música deixa sua marca em nós criando memórias e nos ajudando a contatar nossos próprios sentimentos, a expressá-los e a nos conectarmos conosco e com o outro. E o impacto disso no cérebro é direto e maravilhoso. Sabedoria pura aquele antigo ditado popular: “Quem canta seus males espanta. A música ativa o centro de prazer do cérebro liberando dopamina e causando sensação de bem-estar.

Desde o Egito Antigo já se utilizava a música como agente curador. Em diversas culturas indígenas o Xamã entoa músicas com a finalidade de reestabelecer a saúde. Os primeiros estudos mais aprofundados do efeito da música no bem-estar do ser humano são da Grécia Antiga. A utilização da música no tratamento da depressão, ansiedade e outros transtornos mentais vem sendo cada vez mais estudado e comprovado.

A música atinge o indivíduo tanto no nível físico, psicológico e espiritual, como num contexto das relações sociais, históricas e culturais. O valor apaziguante da música para as dores do corpo e da alma anda junto com a própria história da música.  Ela desenvolve a mente humana, promove o equilíbrio, proporciona um estado agradável de bem-estar, facilita a concentração e o desenvolvimento do raciocínio, auxiliando o estímulo de circuitos neuronais que os medicamentos muitas vezes não conseguem atuar de forma plena. Desta forma, várias sinapses são ativadas, gerando melhoria significativa nos quadros de  adoecimento da mente.

Qual a importância das atividades culturais para a saúde mental de um povo?

A cultura é a linguagem que precisamos para enfrentar o sofrimento e não permitir que ele se transforme em sintoma, em doença. A diversidade da nossa experiência cultural desenvolve nossa capacidade de escuta e nos ensina a respeito do lugar do outro. Através da cultura um povo torna-se capaz de contar a própria história e entender os conflitos sociais em que se está inserido. A cultura transforma relações e contextos. A função da arte é alimentar e ampliar a empatia do homem com o diferente. A arte fomenta reflexão e desenvolve pensamento crítico, habilidades protetivas para a saúde mental.

Muito se fala de setembro amarelo nas redes sociais. Empresas mudam o logo, hashtags ficam em alta durante o mês inteiro. Para você, essa mobilização fica muito no virtual e falta na vida real? Como nós, no cotidiano, podemos ajudar indivíduos que pensam em suicídio?

O Setembro Amarelo é uma campanha que começou em 1994 nos EUA, quando um jovem de apenas 17 anos se suicidou usando o Mustang Amarelo que ele próprio havia restaurado. No funeral, sua família e amigos distribuíram cartões com fitas amarelas que diziam: "Se precisar, peça ajuda." De lá pra cá a Campanha vem a cada ano ganhando adeptos pelo mundo com a finalidade de conscientizar a respeito da importância do cuidado com a saúde da nossa mente e propaga medidas que buscam prevenir casos de suicídio. Infelizmente o movimento ainda não tem a projeção devida e as ações acabam bastante limitadas ao virtual, mas ainda assim tem seu valor.

No Brasil o Setembro Amarelo acontece desde 2015 e o espaço aberto na mídia tem a finalidade de sensibilizar e informar a respeito do suicídio, enquanto profissionais da saúde buscam se aproximar de pessoas que estão em sofrimento para dar-lhes suporte e acolhimento. Cada um de nós pode, no entanto, no seu dia a dia, ter a intenção de fazer a diferença na vida de alguém.  Atitudes simples e afetuosas podem sim salvar vidas. O suicídio está muito relacionado à sensação de estar sozinho e sem saída. Mostrar-se presente e demonstrar a importância que as pessoas têm para nós e que as amamos independente dos problemas que ela possa estar enfrentando é o primeiro passo.

Meu conselho, portanto, para quem gostaria de incorporar no seu cotidiano ações preventivas e amigáveis durante todo o ano, eu diria: "Seja um amigo presente, um colega de trabalho atento, um filho cuidadoso, um pai ou uma mãe próximo. Quando aquele amigo começar a se distanciar, pode ser o momento em que ele mais pode estar precisando de você. Não mande apenas uma mensagem. Vá até ele. Chame para sair. Faça uma visita. Esteja lá. E se você perceber que uma ajuda profissional pode auxiliar, incentive-o e ajude-o a procurar um profissional preparado para ajudá-lo. É possível sentir-se melhor.

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Listen on Spotify: Playlist desenvolvida pela psicóloga Marina Santos. Foto: Cartola e Tim Maia.

Marina criou uma playlist com músicas que tratam com delicadeza dos temas abordados acima. "Procurei escolher músicas que abordam angústias e dores da vida, mas com uma mensagem de esperança, superação e positividade. Ouçam e me contem como se sentiram!", exclama.

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